quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Por trás da música – Ideologia

A década de 80, para a música nacional foi toda feita de tumultos. Novos ícones no pop, novas influências sobre o rock. Entre esse fervor existia um garoto que “iria mudar o mundo”, um carioca que nunca ficava “em cima do muro”. Agenor de Miranda Araújo Neto ou Cazuza como era mais conhecido mostraria ao mundo uma das canções mais ácidas e amarguradas que a música nacional já fez. No final da década de 80, “Ideologia” ficaria nas principais paradas de sucesso e, apesar de nenhum dos artilheiros fosse nascido na época, não fica difícil entender do que se trata a peça que virou símbolo e hino de uma geração.

 

 

Compositor: Cazuza

Intérprete: Cazuza

Ano:  1988

Disco: Ideologia 1988

Em 1985 – dois anos antes do lançamento do disco que continha “Ideologia” “Brasil” e “Faz parte do meu show” – Cazuza descobriria seu real estado de saúde. A reação do cantor ao saber que era portador do vírus HIV foi suficientemente preocupante para que seus pais o levassem para um tratamento nos Estados Unidos. Dois anos depois, já de volta ao país, Cazuza começaria a gravação do disco Ideologia.

Ideologia – Cazuza
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato
Que eu nem acredito
Ah! eu nem acredito…
Que aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora
As festas do “Grand Monde”…
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver…
O meu tesão
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs
Não tem nenhum rock ‘n’ roll
Eu vou pagar
A conta do analista
Pra nunca mais
Ter que saber
Quem eu sou
Ah! saber quem eu sou..
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro…
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Pra viver…
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro…
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver..
Ideologia!
Pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver…
A primeira faixa do disco tinha 4 minutos de um Cazuza nunca antes visto.”Ideologia” tem uma letra ácida e irônica. Duas características que são explicadas pelo estado frágil que Cazuza se encontrava. A aversão ao governo Sarney que foi de 85 até noventa e a mágoa de ser visto com preconceito por ser soropositivo por seus próprios irmãos brasileiros deram ao disco todo um teor de protesto. E numa escala, Ideologia é a canção que mais toca fundo na ferida.
Para explicar o pouco que fica sem explicação, eu deixo o soldado por conta de um texto escrito pelo próprio Cazuza.
 

 


“Ideologia, eu quero uma pra viver”

Cazuza sobre a sua Ideologia.

“A minha ideologia é a da mudança. Nada de partido político. É a coisa de mudar o Brasil, em qualquer dimensão. Eu não tenho Partido, sério. Mas estou com as pessoas que podem mudar alguma coisa, dou a maior força. Sou socialista por vocação, por natureza, por amor mesmo. Porque acho que o socialismo está no meio, está entre o comunismo ditatorial e o capitalismo selvagem, num ponto onde a iniciativa privada pode dar alguma coisa também. “
“Quando fiz “Ideologia”, nem sabia o que isso queria dizer, fui ver no dicionário. Lá estava escrito que indica correntes de pensamentos iguais e tal… A música, por sua vez, é muito pessimista, porque, na verdade, é a história da minha geração, a de 30 anos, que viveu o vazio todo. É meio amarga porque a gente achava que ia mudar o mundo mesmo e o Brasil está igual; bateu uma enorme frustração. Nos conceitos sobre sexo, comportamento, virou alguma coisa, mas deixamos muito pelo caminho. A gente batalhou tanto e agora? Onde chegamos? Nossa geração ficou em que pé? “
“Antes de mais nada, mudou o patriotismo. Pra mim, o patriotismo não é essa coisa símbolos, como a bandeira. Mexe muito mais com o sentimento. Quando me enrolei na bandeira, no Rock in Rio, eu estava acreditando. A coisa de cuspir na bandeira, três anos depois, foi contra aquele ato teatral do espectador. Eu estava cuspindo no símbolo, na bandeira que simboliza mesmo é a família Orleans e Bragança. Acho que não é hora de teatro com bandeira. O momento é de criticar, de virar a mesa, de sair da merda. Antes eu me enrolei foi aquele clima de Tancredo Neves. Eu estava, como todo povo, inebriado por um sentimento de mudança, de esperança. A coisa do vai-pra-frente, algo lindo, um movimento sincero que se esvaziou por erro dos políticos. No Rock in Rio, cantei por dez minutos com a bandeira, sonhei, acreditei. Quando eu era adolescente, também acreditava. A gente não tinha descoberto a vaselina, o conchavo. Entrava com garra mesmo. Nem sei mais se essa garra existe hoje com os novos adolescentes. “

“o meu prazer, agora é risco de vida”

Cazuza sobre a AIDS

“De qualquer maneira, a Igreja e a direita estão com a faca e o queijo na mão. Já nem acho que tenha sido a CIA que botou o vírus da AIDS no mundo. Eles simplesmente usaram a doença. Botam na tevê que a AIDS mata para as pessoas ficarem horrorizadas com aquilo. É tudo um complô mesmo. Tanto que, na Europa, a coisa é tratada diferente, sem esse moralismo medieval. Mas aqui eles usam a coisa legal mesmo. Usaram, mas não conseguiram. Eu vejo as pessoas se amando muito, está todo mundo ótimo, com camisinha ou sem camisinha. Eles não venceram, não. E isso é luz. No disco que vou lançar, as músicas são assim, muito felizes, muito pra cima, cheias de luzes.”

“meus inimigos estão no Poder”

Cazuza sobre o governo Sarney e o fim do regime militar de 89.

“Aquele show no Palace foi uma coisa muito louca, porque eu acho que ele foi histórico para São Paulo… Teve as eleições de 15 de novembro e no primeiro de dezembro eu estava lá. E tinha aquele clima de euforia, as pessoas querendo acreditar novamente que tudo vai mudar, que pode mudar… Tanto que eu considero ‘Ideologia’ , ‘Brasil’, e ‘O tempo não pára’ uma trilogia de Sarney ao PT no poder. É uma trilogia de esperança… Eu nunca tive medo de falar quando eu estava de baixo astral. Acho que a gente não pode ficar ‘tudo bem’ o tempo todo: o mundo é ruim, as pessoas são ruins, o mal sempre vence, então tem esse lado forte. Mas agora estou numas da corrente do bem. Tô nessa e acho genial. Tudo bem: o mal tá lá, as pessoas ruins estão lá, pessoas mesquinhas, mas não vão me atrapalhar mais. Não vou mais sofrer por causa delas”.

 

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